1. Esta Solenidade celebra a santidade de Maria, a sempre Imaculada. Maria Santíssima é o título com que a designamos e reconhecemos. Celebramo-la com tanta solenidade porque evoca o cerne da nossa vocação cristã: o chamamento à santidade. Deus criou o homem à Sua Imagem, para ser santo como Deus é Santo. “Sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou Santo” (1Pet. 1,16). No drama do pecado, que a Leitura do Génesis nos evoca, a humanidade desvia-se do caminho da santidade, porque esquece a Palavra do Senhor, trocando-a por outras palavras: a do inimigo de Deus. Mas Deus não desistiu da santidade do homem. Depois do pecado, o único caminho da santidade é a redenção. A santidade define-nos como criaturas de Deus, identifica-nos com Deus. E porque Deus é amor, ser amor é experiência de liberdade. Intenção inicial de Deus, a santidade do homem é um fruto da sua liberdade, é a expressão máxima da liberdade. “Sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou Santo” (1Pet. 1,16). No homem, ela realiza-se ao ritmo da liberdade: pode supor a recusa e o dom, a obediência à Palavra do Senhor e a autonomia da liberdade humana. Desde a primeira página da Criação, a autonomia e a obediência à Palavra de Deus compõem o cenário dramático da santidade humana. A santidade do homem, querida por Deus no acto criador, desenrola-se ao ritmo da liberdade, até percebermos que em Cristo, “Deus nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos, na caridade, santos e irrepreensíveis, diante d’Ele” (Efs. 1,3).
2. Ao criar o homem livre, Deus aceitou que a humanidade precisava de aprender a liberdade e, nessa aventura, Deus só podia ir-lhe revelando o caminho da liberdade e fortalecê-lo na descoberta do verdadeiro caminho da vida. A descoberta da liberdade é, na intenção criadora de Deus, um longo caminho a percorrer, até à sua perfeição escatológica. Esse longo caminho da aprendizagem torna-se dramático porque entrou em cena um terceiro personagem, o “inimicus homo”, que falhou ele próprio a sua caminhada de liberdade e que, ao tornar-se inimigo de Deus, tornou-se inimigo do homem, nova criatura de Deus, que encetava agora o seu caminho de aprendizagem da liberdade. A partir daí, a caminhada do homem para a liberdade tornou-se dramática: Deus atrai, fortalece a liberdade, indica-lhe o caminho; esse terceiro personagem, a que a Bíblia chama o “homem inimigo”, tenta continuamente sugerir ao homem que a liberdade é um caminho de autonomia em relação a Deus. O caminho da liberdade torna-se, então, um combate entre esse inimigo e Deus que quer a plena liberdade do homem. A vitória de Deus está assegurada, mas o exercício da liberdade transforma-se num grande combate. “Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela” (Gen. 3,15). Assim, desde o início, a conquista da liberdade tornou-se um grande combate, de vida ou de morte. Essa foi a ousadia do demónio, ao pensar que podia vencer esse combate. A descendência da mulher “há-de atingir-te na cabeça e tu a atingirás no calcanhar” (Gen. 3,15). Essa descendência da mulher é Cristo, Filho de Maria. A Sua derrota aparente no Calvário torna-se na vitória definitiva de Deus e na derrota definitiva do “homem inimigo”. O mais que este consegue são danos colaterais.
3. Nesta luta pela liberdade, e é preciso não esquecer que a liberdade resume e inclui tudo o que é humano. O homem precisa de ser salvo e esta salvação reveste-se dos traços de um drama. Deus não desiste, investe neste combate toda a sua força, até à ousadia de se tornar presente no meio de nós como Homem, para O sentirmos lado a lado nesse combate. Pela sua Palavra revela o verdadeiro sentido da liberdade; pelo seu amor infinito, fortalece o homem para este poder obedecer à sua Palavra e escolher o verdadeiro sentido da liberdade. A obediência da fé é o caminho, e este caminho é graça, isto é, exercício humano da liberdade com a força do amor de Deus. A esta obediência da fé, o “inimigo” contrapõe a autonomia da razão como única fonte de sentido e a ousadia de pensar que o homem pode percorrer o caminho da liberdade só com as suas próprias forças.
Maria é saudada como a cheia de graça, ela é a primeira mulher completamente livre, porque se abandona à Palavra do Senhor, na fé, e confia na força do Seu amor. Santo Agostinho diz que Maria acreditou pela fé e, por isso, concebeu pela fé. “Maria cumpriu perfeitamente a vontade do Pai e, por isso, Maria tem mais mérito por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido Mãe de Cristo; mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido Mãe de Cristo” (Santo Agostinho, Sermões, Ser. 25, PL 46, 937-938). Já a sua parente Isabel a saudara assim: feliz és tu porque acreditaste na Palavra que o Senhor te disse (cf. Lc. 1,45). Em Maria, a plenitude de graça começa por ser a perfeição da fé, que aceita o caminho misterioso de Deus e se abandona ao amor.
Maria é, assim, modelo de liberdade. Nela, a liberdade plenifica todas as capacidades da natureza. É esposa e mãe. São Lucas faz questão de lembrar que o Anjo Gabriel é enviado a uma Virgem que era noiva de José, e que ela conceberá no seu seio. Mas o princípio da fecundidade é o mesmo da santidade cristã daqueles que, em Cristo, se tornaram novas criaturas. Também o fruto do seu seio será obra do Espírito Santo. Esta é a grande novidade cristã: a obra da graça não menosprezará nenhuma capacidade da natureza, antes a elevará à sua plenitude. É por isso que em Maria, a cheia de graça, que é esposa e mãe, se anuncia a Igreja toda; ela obra do Espírito Santo e plenitude da criação. Santo Agostinho, no Sermão já citado, afirma com ousada surpresa: “Maria é Santa, Maria é Bem-Aventurada. Mas é mais importante a Igreja do que a Virgem Maria. Porquê? Porque Maria é uma parte da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas apesar disso membro do corpo total. Se é membro do corpo, é certamente mais o corpo do que o membro. A cabeça é o Senhor, e Cristo total é a cabeça e o corpo” (Santo Agostinho, Sermões, Ser. 25, PL 46, 937-938).
Cristo e a Igreja são o caminho na longa marcha da liberdade. Os membros da Igreja, criaturas novas em Cristo, podem aprender com Maria a obediência da fé e a abandonar-se ao amor de Cristo, que é o Espírito Santo. Do mesmo modo que, nessa aprendizagem da liberdade, precisa do amor dos seus irmãos, cada cristão pode sempre contar com a ternura solícita de Maria, a cheia de graça e Mãe da Igreja.
2. Ao criar o homem livre, Deus aceitou que a humanidade precisava de aprender a liberdade e, nessa aventura, Deus só podia ir-lhe revelando o caminho da liberdade e fortalecê-lo na descoberta do verdadeiro caminho da vida. A descoberta da liberdade é, na intenção criadora de Deus, um longo caminho a percorrer, até à sua perfeição escatológica. Esse longo caminho da aprendizagem torna-se dramático porque entrou em cena um terceiro personagem, o “inimicus homo”, que falhou ele próprio a sua caminhada de liberdade e que, ao tornar-se inimigo de Deus, tornou-se inimigo do homem, nova criatura de Deus, que encetava agora o seu caminho de aprendizagem da liberdade. A partir daí, a caminhada do homem para a liberdade tornou-se dramática: Deus atrai, fortalece a liberdade, indica-lhe o caminho; esse terceiro personagem, a que a Bíblia chama o “homem inimigo”, tenta continuamente sugerir ao homem que a liberdade é um caminho de autonomia em relação a Deus. O caminho da liberdade torna-se, então, um combate entre esse inimigo e Deus que quer a plena liberdade do homem. A vitória de Deus está assegurada, mas o exercício da liberdade transforma-se num grande combate. “Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela” (Gen. 3,15). Assim, desde o início, a conquista da liberdade tornou-se um grande combate, de vida ou de morte. Essa foi a ousadia do demónio, ao pensar que podia vencer esse combate. A descendência da mulher “há-de atingir-te na cabeça e tu a atingirás no calcanhar” (Gen. 3,15). Essa descendência da mulher é Cristo, Filho de Maria. A Sua derrota aparente no Calvário torna-se na vitória definitiva de Deus e na derrota definitiva do “homem inimigo”. O mais que este consegue são danos colaterais.
3. Nesta luta pela liberdade, e é preciso não esquecer que a liberdade resume e inclui tudo o que é humano. O homem precisa de ser salvo e esta salvação reveste-se dos traços de um drama. Deus não desiste, investe neste combate toda a sua força, até à ousadia de se tornar presente no meio de nós como Homem, para O sentirmos lado a lado nesse combate. Pela sua Palavra revela o verdadeiro sentido da liberdade; pelo seu amor infinito, fortalece o homem para este poder obedecer à sua Palavra e escolher o verdadeiro sentido da liberdade. A obediência da fé é o caminho, e este caminho é graça, isto é, exercício humano da liberdade com a força do amor de Deus. A esta obediência da fé, o “inimigo” contrapõe a autonomia da razão como única fonte de sentido e a ousadia de pensar que o homem pode percorrer o caminho da liberdade só com as suas próprias forças.
Maria é saudada como a cheia de graça, ela é a primeira mulher completamente livre, porque se abandona à Palavra do Senhor, na fé, e confia na força do Seu amor. Santo Agostinho diz que Maria acreditou pela fé e, por isso, concebeu pela fé. “Maria cumpriu perfeitamente a vontade do Pai e, por isso, Maria tem mais mérito por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido Mãe de Cristo; mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido Mãe de Cristo” (Santo Agostinho, Sermões, Ser. 25, PL 46, 937-938). Já a sua parente Isabel a saudara assim: feliz és tu porque acreditaste na Palavra que o Senhor te disse (cf. Lc. 1,45). Em Maria, a plenitude de graça começa por ser a perfeição da fé, que aceita o caminho misterioso de Deus e se abandona ao amor.
Maria é, assim, modelo de liberdade. Nela, a liberdade plenifica todas as capacidades da natureza. É esposa e mãe. São Lucas faz questão de lembrar que o Anjo Gabriel é enviado a uma Virgem que era noiva de José, e que ela conceberá no seu seio. Mas o princípio da fecundidade é o mesmo da santidade cristã daqueles que, em Cristo, se tornaram novas criaturas. Também o fruto do seu seio será obra do Espírito Santo. Esta é a grande novidade cristã: a obra da graça não menosprezará nenhuma capacidade da natureza, antes a elevará à sua plenitude. É por isso que em Maria, a cheia de graça, que é esposa e mãe, se anuncia a Igreja toda; ela obra do Espírito Santo e plenitude da criação. Santo Agostinho, no Sermão já citado, afirma com ousada surpresa: “Maria é Santa, Maria é Bem-Aventurada. Mas é mais importante a Igreja do que a Virgem Maria. Porquê? Porque Maria é uma parte da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas apesar disso membro do corpo total. Se é membro do corpo, é certamente mais o corpo do que o membro. A cabeça é o Senhor, e Cristo total é a cabeça e o corpo” (Santo Agostinho, Sermões, Ser. 25, PL 46, 937-938).
Cristo e a Igreja são o caminho na longa marcha da liberdade. Os membros da Igreja, criaturas novas em Cristo, podem aprender com Maria a obediência da fé e a abandonar-se ao amor de Cristo, que é o Espírito Santo. Do mesmo modo que, nessa aprendizagem da liberdade, precisa do amor dos seus irmãos, cada cristão pode sempre contar com a ternura solícita de Maria, a cheia de graça e Mãe da Igreja.
Homilia do Patriarca de Lisboa, proferida na Solenidade da Imaculada Conceição, Sé Patriarcal, 8 de Dezembro de 2009
Fonte: Agência Ecclesia
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